Sebenta do Superior
segunda-feira, abril 12, 2004
 
Uma sincera opinião

«Ensino público», artigo de opinião publicado no Jornal Universitário de Coimbra "A Cabra" (3 de Dezembro 2002).

«As reformas em curso no sector educativo nacional, como o novo estatuto do aluno e o modelo de avaliação das escolas, em conjunto com o acentuado desinvestimento público, causam um preocupante cepticismo em relação ao futuro. O ensino público perde a sua viabilidade financeira, beneficiando o sector privado, com consequências sociais devastadoras.

A classificação das escolas permite clarificar os problemas educativos nacionais, apesar da subjectividade e provável injustiça do modelo de avaliação. Contudo, as famílias mais abastadas podem escolher as melhores escolas para os seus filhos, em detrimento das classes mais baixas que são obrigadas a permanecer nas escolas da área de residência, independentemente da qualidade de ensino praticada. É uma hipocrisia argumentar que estas pessoas também podem escolher frequentar as melhores escolas. Para além dos custos inerentes - transportes e alimentação -, ao frequentar uma escola fora da sua área de residência o aluno perde o direito aos subsídios escolares.

Este cenário poderá eliminar a diversidade cultural e social das escolas. Nos estabelecimentos de ensino com melhor reputação juntam-se os alunos provenientes das classes sociais mais elevadas, enquanto nos restantes permanece a população estudantil mais carenciada. Consequentemente, o ensino superior torna-se elitista e barra a entrada aos mais desfavorecidos, prejudicados por terem frequentado escolas secundárias de menor qualidade. Pior ainda, resvala-se para uma homogeneidade social no interior das escolas, onde os alunos das classes altas deixam de conviver com as classes mais baixas e perdem o contacto com a realidade social, vivendo no interior de uma redoma de vidro, enquanto que os restantes são segregados e discriminados pela sua condição social.

O ensino superior público deve ser financiado com maior responsabilidade pelo Estado, sendo as receitas das propinas destinadas ao investimento e não à subsistência das instituições. No entanto, isto não obriga a um modelo conservador baseado no centralismo. A uniformização das escolas, com um sistema de regras muito rígidas e universais, não beneficia o ensino público e torna-o demasiado dependente e inerte. Com dezenas de estabelecimentos universitários e politécnicos espalhados pelo país, a par de um gigantesco sector privado, assistimos a uma realidade bastante diversificada que obriga a uma política flexível. A começar pelo próprio financiamento, onde é urgente alterar a actual regra quantitativa em que recebe mais dinheiro quem tem mais estudantes, passando a recompensar a qualidade do ensino e os resultados da investigação.»

Gustavo Sampaio
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