Sebenta do Superior
domingo, abril 18, 2004
 
"Como funciona o ensino superior?"

«A virtude do meio termo», artigo de opinião publicado no Jornal Universitário de Coimbra "A Cabra" (28 de Janeiro 2003).

«Mais do que pensar o ensino universitário em termos ideológicos, importa considerar objectivamente questões concretas sobre o seu funcionamento actual de forma a contribuir para um debate público saudável, participativo e com resultados práticos.

O modelo de financiamento das instituições de ensino constitui o principal ponto de discussão. Deve ou não ser aumentada a contribuição das famílias e dos alunos para os custos do ensino superior através do incremento do valor das propinas? Na minha opinião, não. Acredito plenamente no conceito de garantia da gratuitidade do ensino conforme previsto na Constituição, onde é determinado um valor de propina inferior à referência de 25 por cento do custo real do ensino por aluno. Para além dos encargos com as propinas, os alunos suportam elevados custos de habitação, alimentação, transportes, livros e outro material de estudo. O aumento do valor das propinas representaria uma sobrecarga de despesa insuportável. No entanto, ressalvo as especificidades de cada curso e de cada aluno que no cômputo geral não são tidas em conta no actual sistema. Se um aluno de medicina não tem o mesmo custo para o Estado do que um aluno de direito, por que razão pagam a mesma quantia de propina anual? Os valores das propinas deveriam ser estipulados de acordo com o custo real do ensino em cada curso e nunca ultrapassando a margem mínima.

As receitas provenientes das propinas devem ser utilizadas exclusivamente na melhoria das condições de ensino, como estipulado na lei, e não para a subsistência diária das faculdades. O pagamento dos salários de funcionários e professores, o custo da manutenção dos edifícios e outros gastos correntes devem ser garantidos por um orçamento anual fixo e responsável proveniente do poder central, independentemente de qualquer movimentação governamental e de qualquer conjuntura económica. Deste modo acabar-se-ia com a vergonha habitual de todos os anos lectivos, com os reitores a queixarem-se publicamente que correm o risco de terem de fechar as portas por incapacidade financeira.

Na medida em que a gratuitidade do ensino é apenas virtual, torna-se essencial promover um sistema de subsídios escolares mais justo e eficaz. A fiscalização tem de ser apertada de forma a combater as fraudes que se cometem ano após ano, com bolsas de estudo a serem conferidas a alunos sem dificuldades económicas enquanto outros realmente necessitados não têm acesso a essas mesmas ajudas. E é necessário aumentar o valor dos subsídios, sobretudo para as famílias mais carenciadas, em conjunto com outro tipo de ajudas ao nível da alimentação, habitação e transportes.

O outro grande ponto de discussão centra-se no actual modelo de acesso ao ensino superior. Será possível aliar o factor qualidade ao factor quantidade? Importa garantir um nível mínimo de qualidade em todos os cursos, o que passa pela exigência da obtenção de uma média no ensino secundário acima dos dez valores. É confrangedor verificar que centenas de alunos com médias negativas são aceites todos os anos em diversos cursos. Em relação ao sistema de “numerus clausus”, alvo de muitas críticas, penso que representa a única forma de controlo do Estado sobre a afluência de estudantes aos cursos disponíveis, para além de atenuar as assimetrias regionais porque obriga muitos alunos a candidatarem-se a instituições de ensino no interior do país, pelo que não concordo com a sua extinção. Mas penso que deveria ser elaborado um estudo rigoroso sobre as reais necessidades do mercado nacional de trabalho, com actualizações regulares, para que se consiga saber em que cursos são precisos mais alunos e em quais não são necessários tantos. Assim, o dever do Estado deverá ser o de atrair mais estudantes para cursos com maiores necessidades no mercado e o de limitar o acesso a cursos sobrelotados, de forma a equilibrar o sistema.

Relativamente à gestão das instituições de ensino, discordo totalmente com a introdução de gestores empresariais no âmbito da direcção das escolas, como começa a acontecer nos hospitais, embora reconheça uma certa incapacidade de alguns reitores na gestão económica das universidades. Sugiro a contratação de consultores profissionais de forma a melhorar a gestão das instituições e a rentabilizar os seus recursos, mas sem intromissão nas políticas exteriores à área económica.

Concluindo, a principal interrogação sobre o ensino superior remete para o seu carácter: as universidades devem transformar-se em centros de formação subjacentes ao mundo empresarial ou caminhar para um rumo oposto, centrando-se na formação livre e pessoal de cada indivíduo de acordo com os seus interesses pessoais? Penso que deveria encontrar-se um meio termo. Uma universidade que atendesse às necessidades do mercado mas que não descurasses as ambições pessoais de cada aluno, transmitindo-lhe livremente o saber e o conhecimento que lhe serão úteis no percurso de vida profissional que acaba de iniciar.»

Gustavo Sampaio
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